Gabriel André reviewed A Severa by Júlio Dantas
Aqui nasceu o mito da Severa
3 stars
É atribuido a este romance o mérito de ter criado o mito da Severa: a primeira grande fadista do século XIX, que como uma estrela de rock do século XX, viveu depressa, morreu jovem e deixou um cadáver bonito.
Sempre tive curiosidade a respeito de Júlio Dantas: parece certamente cruel que o autor mais popular do seu tempo passasse à história da literatura precisamente por ser alvo do Manifesto Anti-Dantas de Almada Negreiros e a sua obra fosse esquecida. Que cânone estará mais certo? Aquele que o tinha como vulto mais importante da época ou o atual, que o considera pouco mais do que um autor de folhetim? Passamos à obra:
A Severa, simplesmente por ter popularizado a figura da fadista, vale a pena uma leitura. A primeira metade, focada na figura da mãe, parece-me sublime tanto na redação quanto na caraterização das personagens e das causas sociais da …
É atribuido a este romance o mérito de ter criado o mito da Severa: a primeira grande fadista do século XIX, que como uma estrela de rock do século XX, viveu depressa, morreu jovem e deixou um cadáver bonito.
Sempre tive curiosidade a respeito de Júlio Dantas: parece certamente cruel que o autor mais popular do seu tempo passasse à história da literatura precisamente por ser alvo do Manifesto Anti-Dantas de Almada Negreiros e a sua obra fosse esquecida. Que cânone estará mais certo? Aquele que o tinha como vulto mais importante da época ou o atual, que o considera pouco mais do que um autor de folhetim? Passamos à obra:
A Severa, simplesmente por ter popularizado a figura da fadista, vale a pena uma leitura. A primeira metade, focada na figura da mãe, parece-me sublime tanto na redação quanto na caraterização das personagens e das causas sociais da sua desgraça. Diria, nesse sentido, que não se afasta muito do naturalismo de décadas anteriores. Porém, é na segunda parte quando essas virtudes se perdem: a classe aristocrática aparece constantemente idealizada e, mesmo quando estes tomam decisões amorais, apresentam-se com maior naturalidade e não se explicam com o mesmo pormenor. A violência contra a mulher é um tema constante e, ainda que não posso saber o que estava a pensar Dantas, parece-me surpreendentemente atual, considerando a época e o género do autor. Não aprecio tanto, contudo, a representação do povo cigano, pois certas caraterísticas da personalidade são atribuídas antes ao sangue do que à situação socioeconómica, mas é verdade que o romantismo seródio que predomina, principalmente na segunda parte do livro, favorece este tratamento ao transformá-los em heróis rebeldes amantes da liberdade. Esta segunda metade, não sei se por não ser eu um grande apreciador do romantismo, coincide com a descrição do autor como um "vendedor de best-seller" da época e um grande aliado do poder vigente em cada época. A trama perde em complexidade, é previsível para qualquer pessoa que tenha lido os grandes romances do século XIX e, talvez por isso, deixa certo sabor a trabalho acabado às pressas.