Tony Almeida reviewed Klara e o Sol by Kazuo Ishiguro
Klara e o Sol
3 stars
“Klara e o Sol” foi o primeiro livro que li do Kazuo Ishiguro. Tendo como pano de fundo a temática da inteligência artificial e a compreensão dos sentimentos humanos, este livro ficou logo debaixo de olho. Basicamente, e não pretendendo de modo algum querer fazer o resumo do livro, a história debruça-se sobre a relação de Josie, uma rapariga que apresenta um problema de saúde que depreendemos é severo, e Klara, uma Amiga Artificial (AA) que é adquirida para fazer companhia a Josie. Com o transcurso da narrativa, no entanto, percebemos que a mãe da Josie tinha outros propósitos reservados à Klara. O livro está longe de dar todos dados ao leitor. Temos uma percepção de como a Klara funciona, e como podemos avaliar os seus estados de alma, em particular quando ela se refere a forma compartimentada da sua visão (a tradução fala em “caixas”; não sei se no …
“Klara e o Sol” foi o primeiro livro que li do Kazuo Ishiguro. Tendo como pano de fundo a temática da inteligência artificial e a compreensão dos sentimentos humanos, este livro ficou logo debaixo de olho. Basicamente, e não pretendendo de modo algum querer fazer o resumo do livro, a história debruça-se sobre a relação de Josie, uma rapariga que apresenta um problema de saúde que depreendemos é severo, e Klara, uma Amiga Artificial (AA) que é adquirida para fazer companhia a Josie. Com o transcurso da narrativa, no entanto, percebemos que a mãe da Josie tinha outros propósitos reservados à Klara. O livro está longe de dar todos dados ao leitor. Temos uma percepção de como a Klara funciona, e como podemos avaliar os seus estados de alma, em particular quando ela se refere a forma compartimentada da sua visão (a tradução fala em “caixas”; não sei se no original será assim, mas não aprecei a utilização desta palavra na língua portuguesa). Percebemos ainda que a sociedade está dividida em classes, onde identificamos pessoas elevadas e não elevadas, sendo que a população que não pertence à sociedade elevada é marginalizada, e sem acesso a direitos tão básicos como uma edução digna. A história tem, na verdade, um ponto de partida interessante, e um começo bastante apelativo. A forma como o Ishiguro nos dá todas as pistas sobre o comportamento da Klara, o que nos permite “extrapolar”, em certa medida, como ela é, e da sociedade onde estes amigos artificiais estão inseridos, é um exercício interessante. A forma como vamos descortinando o possível destino da Klara, a maneira como ela interpreta os sentimentos humanos de amor, partilha e ausência, fazem-nos questionar sobre se será alguma vez possível que a inteligência artificial consiga abarcar o conceito de humanismo, ou, pelo menos, dos sentimentos humanos. No entanto, o último terço do livro perde algum ímpeto. Não querendo revelar detalhes da história (vá, não querer ser spoiler), a certa altura a relação da Klara com o Sol e as promessas que ela faz, sentem-se muito ingénuas. Naturalmente, podemos dizer que esta mesma ingenuidade é intrínseca da própria inteligência artificial e das suas dificuldades em compreender o seu todo. Mesmo assim, deixa um certo vazio que me incomodou um pouco. Mas se a ingenuidade da Klara pode ser associada à sua própria natureza, a última parte do livro é, na minha opinião, uma daquelas peças de puzzle que percebemos não era aí que devia encaixar, mas que foi colocada à “martelada”. Mais uma vez, pode ser que aqui está mais uma vez a estratégia de escrita de pouco ou nada dizer ao leitor, mas a forma tardia como percebemos o destino final da Klara, desiludiu-me um pouco. Este desapontamento não se prende apenas por perceber qual o destino da Klara, mas porque entra em contradição com aquilo que se pretendia dela antes. Ou então se sabia, mas nunca foi dito ao leitor. Apesar de algumas da minhas reticências em relação a este livro, gostei de lê-lo. A narrativa está complemente centrada na Klara, quem é de facto a narradora, proporcionando assim o ponto de vista de um ser artificialmente inteligente, como ela compreende as pessoas que a rodeiam e a sociedade onde está inserida, deixando expostas também todas as suas falhas e ingenuidades de compreensão. Sem dúvida, terei que olhar para outros livros do Ishiguro nos próximos tempo.