Ana-b92 reviewed Istanbul by Orhan Pamuk
Som de navios, sombra de ruínas: minha leitura de Istanbul
4 stars
Ao abrir Istanbul, encontrei um livro que é memória, ensaio e mapa sentimental. Orhan Pamuk, do vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, descreve a cidade como quem percorre um álbum em preto e branco: ruas estreitas, casarões de madeira desabando, fumaça dos navios no Bósforo, interiores silenciosos onde famílias aguardam um futuro que tarda. Li com o passo lento de quem observa fotografias antigas. A palavra que amarra tudo é “hüzün”, uma melancolia coletiva, densa e ao mesmo tempo ativa, que molda o olhar e o modo de andar por Istambul.
Pamuk alterna a própria infância — apartamentos, brigas domésticas, o fascínio pela biblioteca do pai — com a história urbana: incêndios, decadência otomana, a ocidentalização incompleta, a herança de yalı arruinados. O texto dialoga com viajantes europeus e autores turcos; contrapõe o desejo de pertencer ao mundo moderno ao orgulho ferido de uma grandeza perdida. Senti um …
Ao abrir Istanbul, encontrei um livro que é memória, ensaio e mapa sentimental. Orhan Pamuk, do vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, descreve a cidade como quem percorre um álbum em preto e branco: ruas estreitas, casarões de madeira desabando, fumaça dos navios no Bósforo, interiores silenciosos onde famílias aguardam um futuro que tarda. Li com o passo lento de quem observa fotografias antigas. A palavra que amarra tudo é “hüzün”, uma melancolia coletiva, densa e ao mesmo tempo ativa, que molda o olhar e o modo de andar por Istambul.
Pamuk alterna a própria infância — apartamentos, brigas domésticas, o fascínio pela biblioteca do pai — com a história urbana: incêndios, decadência otomana, a ocidentalização incompleta, a herança de yalı arruinados. O texto dialoga com viajantes europeus e autores turcos; contrapõe o desejo de pertencer ao mundo moderno ao orgulho ferido de uma grandeza perdida. Senti um choque íntimo: a cidade que ele descreve parece buscar dignidade na ruína, beleza na descontinuidade, sentido na poeira que cai dos tetos.
A prosa é precisa, elegíaca, sem pressa. Pamuk olha longamente para uma fotografia, uma esquina, um ateliê; dessa insistência nasce a revelação. Quando fala do sonho de ser pintor, entendi que a escolha pela literatura foi também uma escolha de enquadramento: escrever para refazer o foco do mundo. As barcas, a neve, os gatos, os cafés com mesas manchadas de tempo tornam-se dispositivos de memória.
Saí do livro com o ouvido treinado para ruídos baixos: correntes batendo no casco, passos na madeira antiga, a brisa que empurra a fuligem. Istanbul me ensinou que uma cidade também é uma voz — somado de perdas, sobrevivências e desejos — e que a identidade pode nascer do convívio entre orgulho e falta. Fechei as páginas com uma melancolia luminosa e a vontade de caminhar devagar, como quem aprende a ver de novo.