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Ana-b92

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Ana-b92's books

Johann Wolfgang von Goethe: Theory Of Colours (1970, MIT Press (MA))

Luz em negociação: minha leitura de Teoria das Cores

Em Teoria das Cores, Goethe propõe uma investigação do encontro entre luz e escuridão, afirmando que as cores nascem nas fronteiras. Lendo-o, senti que meu olhar desacelerou: os experimentos não buscam reduzir o fenômeno, e sim descrevê-lo com rigor. Contra Newton, ele questiona a supremacia do prisma isolado e enfatiza os efeitos de borda e de meios turvos: o amarelo aparece quando a luz atravessa a escuridão; o azul, quando a escuridão se deixa ver através da luz.

Goethe organiza o campo em três ordens: fisiológica (depois-imagens, fadiga do olho, contrastes complementares), física (cores que surgem em refrações, sombras coloridas, halos) e química (cores de pigmentos e tintas). Acompanhando suas provas, vi o espectro fechar-se num círculo que admite o púrpura, ponte entre vermelho e violeta, e compreendi por que artistas se afeiçoaram tanto a essa abordagem.

O livro atribui “efeitos sensíveis-morais” às cores. O amarelo, junto da …

T. S. Eliot: The sacred wood (1997, Faber and Faber)

The Sacred Wood is a collection of 20 essays by T. S. Eliot, first published …

Entrar no bosque: rigor, tradição e risco

Em The Sacred Wood, encontrei um T. S. Eliot crítico que exige precisão do leitor e humildade do poeta. Suas páginas defendem que a poesia nasce menos do ego e mais de uma consciência histórica: a tradição não é museu, é circuito vivo em que cada novo poema reordena o passado. Li “Tradition and the Individual Talent” como quem ajusta lentes; ao aceitarmos a impessoalidade, o poema respira melhor, liberto da confissão direta e da ornamentação fácil.

No ensaio sobre Hamlet, aprendi o peso do “correlato objetivo”: emoções pedem formas adequadas, ou o drama fica turvo. Em “The Metaphysical Poets”, Eliot reivindica energia intelectual na poesia, união de pensamento e sensação que a modernidade diluiu. Ao avançar, senti alternar desconforto e entusiasmo: desconforto por ver preferências minhas questionadas; entusiasmo por perceber critérios que ampliam a leitura, em vez de fechá-la.

Eliot escreve com severidade, mas não com crueldade. …

reviewed Dreamtigers by Jorge Luis Borges (Texas Pan American Series)

Jorge Luis Borges: Dreamtigers (1985, University of Texas Press)

Poems, stories, and personal reflections reveal the interwoven existence of imagination and reality in the …

Tigres que sonham comigo: lendo Dreamtigers

Em Dreamtigers, encontrei um Borges íntimo, sussurrado, que transforma reminiscências em arte breve. O livro reúne poemas, prosas curtas, fábulas e notas que se tocam como espelhos; nelas, a infância, os tigres, as bibliotecas e o tempo se entrelaçam. Li como quem percorre um museu de miniaturas: cada peça guarda um mundo e exige atenção devota. A concisão de Borges não empobrece; ao contrário, amplia o silêncio entre as frases, onde a emoção cresce.

Senti uma alegria melancólica diante de suas obsessões: o sonho que corrige a vigília, o duplo que ameaça a identidade, o labirinto como forma do destino. Quando ele evoca os livros lidos e os não escritos, percebi minha própria dívida com o que recordo mal. A tradução aparece como hospitalidade e risco; o autor sabe que toda palavra é um empréstimo vigilado. A ironia é discreta, a piedade, seca, a inteligência é luminosa.

Fechei …

Günter Grass: The meeting at Telgte (1981, Harcourt Brace Jovanovich)

Telgte, 1647: quando a língua busca abrigo

Em The Meeting at Telgte, Günter Grass encena um congresso imaginário de poetas barrocos no fim da Guerra dos Trinta Anos. Leio o livro como quem cruza uma cidade que ainda fuma. Reúnem-se escritores, tipógrafos e eruditos para discutir a reconstrução da língua alemã, a função da poesia diante da ruína e a possibilidade de um público que ainda saiba ouvir. Entre debates sobre métrica, retórica e pureza do idioma, surgem intrigas, risos, fome, vinho barato e a sombra da censura.

Eu me emocionei com a ambição frágil desses encontros: salvar palavras para salvar pessoas. Grass espelha, com ironia afetuosa, a Gruppe 47 e o pós-guerra, insinuando que cada era refaz seu pacto com a linguagem. O texto é enxuto e teatral, com cenas rápidas e diálogos que tilintam como copos. Quando surge o impressor, senti o peso material da literatura: chumbo, papel escasso, risco em cada tiragem. E …

Jonathan Franzen: Farther away (2012, Farrar, Straus and Giroux)

Cartas da distância: lendo Farther Away com um pássaro no ombro

Em Farther Away, encontrei um Jonathan Franzen mais íntimo e vigilante: um escritor que observa o mundo e, ao mesmo tempo, observa a si mesmo observando. Acompanhando suas viagens e lutos, senti o fio que costura os ensaios: a busca por atenção verdadeira em um tempo de distrações fáceis. O texto-título, na ilha de Alejandro Selkirk, liga a solidão de Robinson Crusoé ao luto do amigo escritor; ali, percebi como a paisagem amplia o silêncio e transforma lembrança em rito.

Ao ler sobre pássaros caçados no Mediterrâneo, doeu-me a precisão serena com que Franzen descreve a violência. Sua paixão ornitológica não é hobby, é ética: olhar, nomear, proteger. Em outro ensaio, ele confronta o culto às “curtidas” e opõe amor, exigente, paciente, falho, à gratificação instantânea. Senti-me interpelado: quantas vezes troco risco por validação? A prosa, clara e densa, prefere a longa frase que respira ideias; entretanto, há humor, …

Jon Fosse: New Name (2021, Fitzcarraldo Editions)

Um nome que reza dentro do silêncio

Ao ler New Name, entrei no fluxo de Asle, pintor solitário à beira do mar, e me vi andando com ele pelos dias curtos do inverno, entre a estrada, o ateliê e o hospital. Tudo acontece como uma oração respirada: frases longas, repetições, pequenas variações que iluminam. Asle pensa na esposa morta, na culpa e na graça; visita o outro Asle, espécie de duplo ferido; conversa com Åsleik, amigo de estrada e de silêncio. A paisagem é quase um sacrário: neve, água escura, luz oblíqua. A arte e a fé ...

Lendo, senti o tempo afrouxar. Jon Fosse me obriga a desacelerar, a escutar as marés dentro das palavras. Às vezes me impacientei; depois percebi que a própria impaciência era tema do livro: a resistência do coração moderno diante do gesto de rezar. No trânsito entre lembrança e presente, o romance pergunta o que pode o amor quando a …

William Faulkner: Soldiers' Pay (1996, Liveright Publishing Corporation)

Retornar sem voltar: minha leitura de Soldier's Pay

Ao terminar Soldier's Pay, senti o peso do pós-guerra nos ombros. William Faulkner acompanha o retorno de um aviador ferido à sua cidade do Sul, onde o silêncio dele fala mais alto que discurso. O jovem chega desfigurado, com a memória falhando, cercado por pessoas que projetam desejos, culpas e esperanças. Há a noiva, cujo brilho social se desfaz ante a ruína. Há o pai religioso, dividido entre fé e desamparo. E há quem o acolha por compaixão, buscando no corpo partido algum vestígio do homem que partiu.

A narrativa alterna vozes, revela fofocas de cidade pequena e expõe feridas morais que a paz não curou. O dinheiro, a honra e o corpo viram moedas de troca. O herói, tornado símbolo vazio, ilumina a hipocrisia coletiva e a solidão dos sobreviventes. Eu li como quem vigia um quarto escuro. Cada gesto simples pareceu decisivo. Cada silêncio, um precipício que …

Bret Easton Ellis: White (Hardcover, 2019, Knopf)

Entre o espelho e o abismo – Minha leitura de White de Bret Easton Ellis

Ler White foi como ouvir uma longa confissão feita em voz baixa, mas com a intensidade de quem já não tem nada a perder. Bret Easton Ellis abandona aqui a ficção pura para expor sua própria visão do mundo contemporâneo – um ensaio-memória que mistura provocação, lucidez e ressentimento. Desde as primeiras páginas, senti que o autor não buscava agradar; ele queria confrontar.

Ellis fala sobre fama, redes sociais, cultura do cancelamento e a perda de autenticidade. Seu tom é direto, quase brutal, e por isso desconfortável. Em muitos trechos, senti raiva e empatia ao mesmo tempo: raiva pela arrogância que transparece, empatia pela angústia de quem observa uma sociedade cada vez mais superficial e polarizada.

O que mais me chamou atenção foi o contraste entre o Ellis polêmico e o Ellis vulnerável. Por trás das provocações, há uma solidão evidente – a de um artista tentando entender …