Estava à espera de mais
3 stars
Nos dias de hoje, em que há todo um cuidado com o uso da palavra, em certa medida imposta pelas editoras, para não ferir a susceptibilidade de alguns grupos, cuidado este que vai ao extremo do revisionismo e censura de obras já publicadas (veja-se, por exemplo, a revisão editorial de alguns livros como os do Roald Dhal e Agatha Christie), temos de reconhecer que o título deste livro, "Yo maté un perro en Rumanía", mexe, no mínimo, com a curiosidade do leitor. Afirmar de forma peremptória na capa do livro que se matou um cão na Roménia, é mesmo provocatório. Mas será que foi mesmo morto um cão na Roménia? Bem, isso deixo por esclarecer.
Na verdade, a história que é narrada neste livro é bastante simples. Uma professora latinoamericana de línguas, em baixa médica devido a uma depressão, decide viajar a Roménia, a convite de Mihai, um antigo aluno dela das aulas de norueguÊs para imigrantes. O propósito principal desta viagem do Mihai prende-se com a preparação do praznic do pai. Trata-se de uma cerimónia, uma festa que é realizada após sete anos a morte da pessoa homenageada, ou, nas palavras de Mihai, " Es como un funeral después de los primeros siete años de muerto. Se va a la tumba y se desentierra al muerto. Hay una misa y luego hay que ofrecer una comida a los invitados (...)". Com o pretexto destes preparativos, y pelo facto de Mihai nutrir uma grande simpatia e preocupação pela professora, convida-a então para que o acompanhe, na esperança de que a viagem a ajude a melhorar.
Na chegada à Roménia, esta professora, da qual nunca sabemos o nome, é confrontada com um pedido de Mihai: ele pede-lhe que, frente à família e amigos, ela o trate por Ovidiu, nunca por Mihai. A partir daqui, assistimos a uma viagem pela Roménia até a localidade Natal de Mihai, que culmina com a realização do praznic, uma viagem de conhecimento e descoberta da Roménia, de Mihai/Ovidiu, e dela própria. A narrativa que, até sensivelmente metade do livro é feita na pessoa da professora, nume estrutura mais romanceada, e onde percebemos que há por parte da protagonista um uso abusivo de álcool e narcóticos, muda de registo, e desdobra-se em dois monólogos. Um destes monólogos é do Mihai/Ovidiu, caracterizado por uma estrutura em que as ideias se atropelam, e que expõe a complexidade da personagem, as suas motivações, preocupações e preconceitos. O outro é, naturalmente da professora, que nos dá um segundo ângulo dos eventos.
"Yo maté un perro en Rumanía" é um daqueles livros que começa bem, com uma abertura muito particular, onde somos brindados com as ideais de um cão morto, que fala da morte, da linguagem, e de como os animais adquirem a capacidade de comunicar depois de mortos. No entanto, a medida que avançamos nas páginas, ficamos com a sensação de que estamos à espera de mais qualquer coisa que nunca chega a acontecer. Vira-se a última página e é impossível não dizer "Então? É só isto'?"
Mas afinal, foi mesmo morto um cão na Roménia? O título diz que sim, a professora assim o sugere, e, na verdade, é um cão morto que fala connosco logo no início do livro. Agora, se aconteceu mesmo...