Paulo Moreira 🇧🇷 finished reading Os Senhores do Norte by Bernard Cornwell (Crônicas saxônicas, #3)
Content warning Spoilers leves
Os Senhores do Norte é o terceiro livro de As Crônicas Saxônicas, no qual acompanhamos o jovem Uhtred novamente em sua busca por vingança. Dessa vez, ele está muito mais próximo de realizá-la — mas você sabe, as fiandeiras do destino adoram trollar os mortais.
O livro começa logo após a Batalha de Ethadun, quando o rei Alfredo, com Deus e Uhtred a seu lado, derrotou os dinamarqueses lá no segundo livro. Uhtred deixa o reino de Wessex e parte com Hild para a Nortúmbria, onde está Bebbanburg, seu castelo por direito, e Kjartan, O Cruel, o cara que matou seu pai adotivo e sequestrou sua irmã Thyra. Lembra disso? Eu não lembrava por ter lido cada livro com um intervalo de um ano. Obrigado Bernard por falar esses detalhes no começo do livro em doses moderadas de “conte, não mostre” — por favor, não preguem o “mostre, não conte” muito profundamente em seus escritos. Contar tem suas vantagens também.
Mas a Nortúmbria está um caos. Cidades foram saqueadas, homens e mulheres foram mortos ou vendidos, igrejas foram queimadas. Nesse cenário desolador, Uhtred acaba salvando um grupo de padres escravizados. Entre eles, está um rei: Gudred, que pode encurtar, ou dificultar, o caminho de vingança de Uhtred.
Todo o livro tem um bom ritmo e a narração de Bernard é maravilhosa em sua simplicidade. É curta, visual, sem floreios — afinal, Bernard trabalhou na BBC — , e suas ironias cabem totalmente no personagem. São criativas, mas algumas achei repetitivas.
Embora o livro seja narrado na primeira pessoa, outros personagens também ganham destaque na narrativa, especialmente os que Uhtred despreza, ou nos pontos que Uhtred os despreza, cof cof, Igreja!
Outra vez, a Igreja Católica Medieval é vista com desdém. Seus ritos são duvidosos, seus padres, hipócritas e gananciosos. Normal, o narrador Uhtred continua pagão até a velhice, como ele bem diz. Mas Uhtred começa a reconhecer o poder da Igreja e a inteligência de Alfredo. Alguns dinamarqueses, inclusive, passam a ter medo da magia cristã. Os religiosos Beocca e Hild são mais que meros ajudantes do protagonista. Eles salvam o protagonista da maneira mais humilhante que Uhtred poderia pensar: com o poder da Igreja.
Por falar em Hild, tenho que destacar a forma como Bernard trata as mulheres nesse livro. Elas são pessoas. O que isso significa? Significa que elas conversam sobre política com homens, religião, batalhas e, pasmem, vingança. Sim, mulheres não estão lá pra completar outro personagem masculino. Elas têm suas histórias à parte, seus desafios, seus dilemas — não essencialmente românticos. A maioria busca vingança como Uhtred, e eu acho maravilhoso que Bernard deixou que elas realmente se vingassem, e não os homens por elas.
As mulheres de Os Senhores do Norte são pessoas que vão lutar pra conseguir o que querem. Se ela quer ficar ao lado do amado na batalha, ela vai dar seu jeito. Se ela quer converter pagãos a sua fé, ela vai dar seu jeito. Se ela quer enfiar uma espada na barriga de alguém pra que ele morra lentamente, ela vai dar seu jeito.
Gostei mais deles do que do protagonista. De fato, eu não sou lá muito fã de Uhtred. Entendo-o, mas não gosto do que ele faz. Uhtred é tão violento, sanguinário e vingativo que eu não tenho dúvidas que ele procuraria todos os mosquitos que o picaram numa floresta pra arrancar suas patas uma por uma vagarosamente.
Esse meio ranço vem, em parte, de Vinland Saga, porque em Vinland Saga o personagem vai mudando, aos poucos mas vai, o que me faz gostar do Thorfinn. Em Os Senhores do Norte, isso não chega a acontecer. Uhtred também é escravizado como em Vinland Saga, no entanto, isso parece não afetá-lo tanto assim. Ele continua praticamente o mesmo que o anterior. A diferença é que agora ele quer se vingar de mais uma pessoa.
Eu esperava mais desse momento. Depois percebi que não fazia sentido prolongar tanto. Thorfinn é um navegante e não um guerreiro. Em Vinland Saga, esse prolongamento é necessário para aceitarmos a mudança do personagem. Mas Uhtred é um guerreiro que gosta de matar, se sente realizado na guerra. Ser escravizado não mudaria isso. Então, não faz sentido perder tempo com algo que só vai alongar a narrativa.
O livro também não possui tantas batalhas quanto os anteriores, nem é tão visceral. Seu ponto forte é a recuperação de Dunholm, fortaleza tomada por Kjartan, O Cruel. É aqui que recordamos a forma visual de Bernard em descrever conflitos, principalmente batalhas.