Ana-b92 reviewed Berlin Alexanderplatz by Alfred Döblin
Cidade em transe: meu Berlin Alexanderplatz
5 stars
Ao abrir Berlin Alexanderplatz, entrei numa cidade que respira e morde. Na história de Franz Biberkopf, ex-presidiário que tenta andar direito após sair da prisão, reconheci um retrato áspero da República de Weimar e um marco da Literatura Alemã. Döblin mistura notícia, anúncio, canção de rua e Bíblia numa colagem que vibra como trilhos de bonde. A linguagem é elétrica: frases cortadas, listas, vozes que se cruzam em becos, bares e cortiços. Berlim não é cenário; é criatura faminta que arrasta o homem.
Segui Franz com compaixão e desconforto. Sua promessa de correção bate na parede de Reinhold, cúmplice sedutor, e desaba em crimes, perda do braço, delírios e quedas sucessivas. O romance me deu vertigem: cada capítulo é um cruzamento onde o destino dá sinal e ninguém escuta. Os interlúdios soam como sermões e boletins; as vozes do povo, de vendedores, motoristas e prostitutas, compõem um coro …
Ao abrir Berlin Alexanderplatz, entrei numa cidade que respira e morde. Na história de Franz Biberkopf, ex-presidiário que tenta andar direito após sair da prisão, reconheci um retrato áspero da República de Weimar e um marco da Literatura Alemã. Döblin mistura notícia, anúncio, canção de rua e Bíblia numa colagem que vibra como trilhos de bonde. A linguagem é elétrica: frases cortadas, listas, vozes que se cruzam em becos, bares e cortiços. Berlim não é cenário; é criatura faminta que arrasta o homem.
Segui Franz com compaixão e desconforto. Sua promessa de correção bate na parede de Reinhold, cúmplice sedutor, e desaba em crimes, perda do braço, delírios e quedas sucessivas. O romance me deu vertigem: cada capítulo é um cruzamento onde o destino dá sinal e ninguém escuta. Os interlúdios soam como sermões e boletins; as vozes do povo, de vendedores, motoristas e prostitutas, compõem um coro que às vezes abafa a consciência do protagonista e às vezes a desperta. A cidade corrói, consola e decide, como uma máquina que nunca desliga.
No fim, a metamorfose não é heroica, é humilde. Depois de sofrer, enlouquecer e regressar de uma escuridão quase mística, Franz aprende o limite do próprio eu e aceita uma existência menor, menos ruidosa, talvez mais humana. Saí do livro atordoado, mas grato: a cidade me deu um espelho rachado onde vi fragilidade e insistência de viver. Berlin Alexanderplatz é modernista, cinematográfico e profundamente compassivo. Lateja como trânsito em hora de pico e lembra que sobreviver, às vezes, já é um ato de decência.